Tinto

O Douro quer finalmente entrar no século XXI

“O que mudou, afinal, para que as empresas estejam prontas para mudar? Para começar, um ano mau para o vinho do Porto como o de 2021. Para continuar, a convicção de que o modelo de administração e regulação privilegia o vinho do Porto e continua a tratar a nova estrela da região, os tintos e brancos do Douro, como uma espécie de subproduto. Finalmente, uma constatação que é real há anos em alguns empresários de Gaia e em muitos produtores do Douro e que se relaciona com o presente e o futuro da região: os preços das uvas na região são insustentáveis. O Douro, a mais rica região agrária do país, continua pobre; mais de 35% dos agricultores têm mais de 65 anos. O Douro está condenado pela inércia dos seus agentes.

A tomada de posição da AEVDP é, neste contexto, histórica. Os seus membros continuam divididos sobre as soluções em concreto, mas estão ao menos, e finalmente, de acordo sobre a necessidade de mudar. A sua proposta consiste na criação de um grupo de trabalho que proponha soluções com base na ciência e na realidade da região. Um modelo que estabeleça produtividades máximas à escala da freguesia. Uma receita que actualize, ou reforme radicalmente, o método genial do agrónomo Álvaro Moreira da Fonseca, que em meados do século passado criou e instituiu um método de pontuação que determinava o potencial de cada vinha para a produção de vinhos de qualidade.

O que está em cima da mesa não basta, é apenas um princípio. Uma forma de evitar o conflito entre as empresas (a Fladgate Partnership abandonou a AEVP em protesto contra a sua inércia), de lançar pontes para o futuro e de, ao menos, discutir e ambicionar novos desafios. O elenco directivo da associação reúne hoje gente com um capital único de credibilidade e de conhecimento sobre a região. E, no Douro, há cada vez mais conhecimento e poder para entrar neste jogo em favor das mudanças. Só assim será possível derrubar a última e mais poderosa barreira para a mudança: a do Estado.

Nada está certo, tudo permanece em aberto. O Douro e o vinho do Porto, responsáveis por 69% das exportações nacionais de vinhos com denominação de origem, são um daqueles absurdos exemplos de má gestão, displicência e negligência, no uso de recursos nacionais. Até agora, as empresas estavam entre os maiores culpados pelo problema. Felizmente, decidiram mudar. Haja um ministro, um primeiro-ministro, um governo que perceba o que está em causa e aceite o desafio. O Douro continua a ser uma pérola da nossa cultura e da nossa economia e não pode continuar como até aqui: baça e esquecida no fundo de uma gaveta esconsa.”

Manuel Carvalho, Público

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